sexta-feira, 3 de abril de 2020

FOLHEAR O QUE QUASE FOI


Passadas estas duas semanas, retorno à minha agenda. Ainda costumo usar agendas de papel, pois posso anotar os compromissos, riscá-los, substituí-los, relembrá-los, guardá-los em manuscritos. Desde que estamos em isolamento social, todos os compromissos que acontecem fora de casa foram cancelados. Pelo menos os de março e os de abril. Por enquanto. A maioria das minhas anotações de agenda são as de compromissos fora de casa. Não precisamos anotar coisas do tipo “acordar a tal hora”, “organizar a casa”, “fazer a comida”, “escrever” ou “tomar banho”, por exemplo.

Começo a folhear minha agenda e releio tudo o que quase foi. Num primeiro momento, tive a sensação de morte, como se eu folheasse a agenda de alguém que morreu e pensasse: “Vê, coitada, se estivesse viva faria tal e tal coisa”. Mas a agenda era minha e não estou morta. Ainda não, quem sabe um dia, daqui a muitos e muitos anos, espero!

Começo, assim, a sentir a sensação de um futuro que não foi. De um futuro que não mais será. Futuro do pretérito. Entendo agora na prática o que muitas vezes tentei explicar para os meus alunos: o futuro do pretérito, o que seria e não foi, o futuro do quase. Há um certo desespero em saber que quase tudo o que projetamos será por um bom tempo futuro do pretérito. Assusta. Deprime? Não... Não vamos chegar a tanto!

Em minha cabeça, que tantos anos estudou gramática para tentar fazê-la menos distante daqueles que se assustavam com ela, começo a buscar um antídoto para curar esta sensação de um quase futuro, aquele que existiu apenas nos nossos planos. Encontro então, nos presentes, este jeito de não sentir que tudo poderia ter sido e não foi.

Abro minha agenda a cada dia. Registro o agora. Refaço dia a dia cada página! Que ela seja um presente diário, feito de tudo o que as manhãs possam nos proporcionar.

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