segunda-feira, 13 de abril de 2020

ARQUIPÉLAGOS E OCEANOS


Tenho acompanhado diferentes postagens sobre o momento que estamos vivendo. Dentre elas, as que falam de criações artísticas e das alterações urbanas ou naturais que vêm ocorrendo em função da redução de circulação humana no mundo. Há muita criações artísticas neste período de pandemia, várias delas tentando registrar o momento histórico por que passamos, buscando refletir sobre ele, ou simplesmente se preocupando em atravessar este momento de uma forma emocionalmente mais saudável.

Uma destas iniciativas artísticas é a série de fotografias intitulada Insulae, do fotógrafo Raphael Alves, que vem registrando em imagens o cotidiano de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Em isolamento social, saindo apenas para o necessário, Raphael carrega sempre sua câmera, de modo a registrar as diferentes “ilhas” em que estamos vivendo. Trata-se de um impactante registro de foto-jornalismo. Insulae, nome latino que originou no Português a palavra “ilha”, é uma metáfora da situação de isolamento em que nos encontramos.

Com sua câmera e seu olhar, talvez Raphael busque a melhor forma de registro e de reflexão sobre pessoas de máscara, janelas ocupadas, filas em lotéricas para pagamento de contas, sacolas indo e vindo de supermercados, poucos carros nas ruas, ônibus vazios, casas de idosos e escolas fechadas...

Penso na metáfora “ilha”, no conjunto de ilhas, também: “arquipélago”.
               
Somos arquipélagos hoje. Isolados, estamos rodeadas de outras ilhas. Algo quase inédito para nós, seres humanos, acostumados a viver em estado de oceano. Éramos humanos que pensávamos ser oceanos, parte principal e responsável pela existência da Terra. Em estado de oceano, circulávamos livremente pelo mundo, senhores de nossas ações, imprescindíveis, absolutos. Livres, levando por nossas águas não só nossos valores (descobertas científicas, manifestações artísticas, gestos de solidariedade), mas também nosso lixo, que segue indo e vindo, flutuando sem rumo por nossas correntes marítimas.

Hoje, não mais oceanos, nosso estado insular nos mostra que não somos senhores de nada, mas parte de um mundo diverso. Somos ilhas que nada circulam, apenas recebem em suas praias o ir e vir do oceano. A natureza, sim, em seu estado oceânico, nos mostra que não é a Terra que está doente, mas nós que a fazemos assim. Pequenas pontas de terra despertada, somos hoje o que sempre deveríamos ter sido: parte da Terra, que nos dá sinais de que é muito maior do que nós. Generosamente, em correntes fluidas, a natureza nos mostra que não somos a Terra, mas apenas parte dela.

Penso isso hoje, nesta segunda-feira, quando, pequena ilha em minha casa, leio que, depois de quase oitenta anos, os picos do Himalaia podem novamente ser vistos.

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