Manhã cinza-azulada. Minha caligrafia continua escorrendo pelas
folhas do meu caderno azul. Escrevo à mão o que chega à ponta do lápis.
Imagino o trabalho dos monges copistas: acordavam,
arrumavam-se, faziam suas orações e, pacientemente, copiavam. Sem se preocuparem
até quando, sem saberem para quem, sem sonharem se aconteceria com seus manuscritos o que ocorreu com a
Biblioteca de Alexandria. em seus dias de cópias e cópias viviam uma vida
monótona, ou quem sabe até por vezes movimentada, como recria Umberto Eco, em O
nome da rosa, adaptado para o cinema, com direção de Jean-Jacques Annaud.
Os copistas enchiam rolos e rolos de escrita antiga para que
ela sobrevivesse ao presente e, talvez, chegasse a algum futuro. Foi assim
que, de instante em instante, conhecemos muitos dos textos antigos que lemos.
Sobreviveram pelas mãos dos copistas Platão, Aristóteles e muitos gregos
antigos. Livros inteiros escritos à mão nos chegaram através de uma
caligrafia cuidada e de iluminuras pacientemente elaboradas: texto e imagem
lado a lado.
A chegada da imprensa facilitou e muito o caminho dos livros
até seus leitores. Tudo o que temos hoje para ler nos chegou através dela.
Quase tudo, pois não podemos nos esquecer dos meios digitais, tão recém-nascidos nesta longa história da escrita e de leitores.
Escrevo à mão no meu caderno azul. Todos os dias. E me lembro
deste tempo em que a escrita era tramada, copiada, recriada, em autoria
múltipla: as ideias não tinham dono, pois eram de todos, registradas por muitos,
em um esforço coletivo de preservação da arte e do pensamento humanos.
Muitas vezes, os manuscritos eram feitos de palavras, acompanhadas de imagens e, também, de sons. As cantigas medievais eram obra do instante.
Cantadas e dançadas por trovadores em apresentações eram poemas-performance.
Também elas foram escritas, desenhadas e partituradas pelas mãos dos copistas. Através
deles, elas se preservaram e, hoje, muitas delas, em sua vertente
galego-portuguesa, podem ser conhecidas em projetos digitais, como o Projeto Littera.
Manhã cinza-azulada. Escrevo no meu caderno azul, à mão, lembrando o tempo em que tudo era mais difícil: ler, escrever, estudar... Tempo lento, mais um dia em casa: mais
um dia em que tento pensar sobre os nossos dias, observando a vida pelas janelas do tempo, para buscar nelas algum detalhe
entalhado à mão pelo dia que nasce.
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