Nossas vidas de janela seguem.
Temos tempo para observar o que se passa fora de casa e o que se passa na
memória que trazemos do que existe fora de casa. Começamos a pensar nas
caminhadas no sol de domingos passados, nos encontros com amigos e familiares,
nas conversas que julgávamos jogar fora...
Da janela da minha memória,
enxergo uma cena que se passou na rua, poucos anos depois de eu chegar a Porto
Alegre para aqui morar. Eu caminhava pela cidade e encontrei, numa rua chamada
Sofia Veloso, uma árvore plantada num canteiro da calçada, cheia de frutos. Uma
laranjeira!
Era outono, tempo das frutas
cítricas, quando os quintais e terrenos dos que moram em casa começam a se
encher de laranjas, de cidras, de limas, de limões, de bergamotas... Eu pouco
tinha visto árvores em calçadas, principalmente em cidades grandes. As únicas
lembranças mais concretas que tinha de frutas “urbanas”, espalhadas pela cidade,
eram os tamarindos- que enchiam o chão do bairro Grajaú, onde eu andava de
bicicleta na infância-, e as jacas que sempre se espatifaram em todos os lugares
onde há mato no Rio de Janeiro.
Laranjas no pé eram uma novidade
para mim. Ainda mais as daquela árvore que, cheia de frutos, na calçada, não
era de ninguém, de nenhuma casa. Seus frutos estavam ali. Apenas estavam.
Aquela árvore enchia a rua de uma
capital que acolhia surpresas rurais. Como tinha nascido ali? Talvez, alguém
tivesse jogado um caroço, ou mais de um, depois de trazer sua laranja de casa.
Talvez, os pássaros, feitos de espalhar sementes, ou as crianças, capazes de ver
plantas brotarem, tivessem plantado despretensiosamente a laranjeira. Depois de
nascer e de crescer, como a árvore tinha frutificado? Quem colheria seus
frutos? Um mistério.
Por anos aquela cena ficou na
minha memória. Pensei em escrever um texto sobre a árvore, mas não consegui por
todos estes anos, afinal, ela estava lá, na calçada. Para que seria necessário um
registro escrito? Volta e meia eu poderia reencontrá-la!
Mas hoje, quando o carro da
Prefeitura nos pediu com seu alto-falante para que ficássemos em casa, para
que saíssemos o menos possível, a laranjeira brotou seus frutos em minha
memória com toda força. Sinto vontade de retomar aquela laranjeira do anos
1990, plantada na rua. Sinto vontade de descrevê-la e de descobrir seu segredo
de frutos fartos em meio urbano. De sair para observar seus frutos, seu segredo
de abundância.
Não podemos, nem devemos sair.
Penso na laranjeira e em seu segredo de abundância. Talvez, o segredo da laranjeira seja o da
paciência. A paciência de recriar pouco a pouco o instante. Frutos verdes de
outono a se oferecerem fartos no inverno.
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