Em tempos de pandemia, tem
ressurgido nas redes sociais a canção dos anos 70 O dia em que a Terra parou,
de Raul Seixas. Acompanham a canção postagens sobre como Raul previu a pandemia
de Covid-19, sobre o que fazer para se prevenir de stress emocional em tempos
de quarentena, sobre como organizar o tempo quando se está em casa...
São
tantas as sugestões para não pararmos, mesmo estando parados: desenhar, cantar,
fazer exercícios, ler, assistir a filmes, cozinhar, limpar a casa e até - o que
deveríamos fazer todos os dias- escovar os dentes e tomar banho.
O que fazer quando se está parado,
então, além de tudo que nos é proposto?
Neste contexto, penso em Edward
Lear, grande pintor e escritor nascido na Inglaterra em 1812, que trabalhou
como ilustrador para a Zoological Society of London quando jovem. Lear dedicou-se
a desenhar pássaros. Circulava pelos viveiros da Zoological Society e, enquanto
vários artistas de sua época desenhavam a partir de animais empalhados, ele os desenhava
vivos, em movimento, inclusive produzindo sua arte dentro dos viveiros dos pássaros,
de modo a observá-los melhor.
Um desenho de observação
necessita de um olhar acolhedor às nuances das formas e dos movimentos, às
variações das sombras, aos matizes das cores. Lear, então, dedicava-se a
perceber o outro em seu voo-pássaro, por diferentes ângulos, até chegar a uma
representação próxima do real (ainda assim representação) de cada outro que
observava. Foi justamente esta atitude de observar os pássaros vivos e em
movimento que o fez ser um grande pintor.
O que fazer, então, quando se
está parado?
Observar. A observação é uma ação
que tem como pressuposto fixar os olhos em algo, em alguém, ou em si mesmo. É o
ato de, com o olhar e o corpo fixos, considerar o que olhamos com atenção,
detalhamento e estudo. É uma ação sem movimento.
Observar é mais do que ver, mais
do que enxergar. No Latim, língua fonte de nossa língua e de tantas outras, a palavra
observatio, de onde veio “observação” em Português, é um substantivo feminino,
da terceira declinação, que traz diferentes sentidos. Por exemplo, nos escritos
de Cícero, observatio pode ser traduzida como “observação”, “advertência”,
“consideração”, “cautela”. Já nos de Valerius Maximus, significa “respeito”, “veneração”.
Para Celsus, “o regime que o médico intima ao doente”. Todos estes significados
moram no atualmente pouco utilizado Dicionário Latino-Português, de
Francisco Antônio de Souza, em edição de Lello e irmão – Editores, publicado no
Porto, Portugal, em 1959. Ufa!
Tudo isto para dizer que
precisamos observar, pois observar é mais do que ver. É respeitar, é
reverenciar, é pausar os olhos doentes de pressa para descobrirmos (ou ressignificarmos)
o novo. É preciso observar para olharmos para nós mesmos e para os outros com olhos de vida, de
movimento, de renovação, de modo a, enfim, conjugarmos em todas as línguas a
alteridade: observo, observas, observavi, observatum,
observare!
Em tempo...
OBS.: Não foram inseridos os
acentos devidos nas palavras latinas, pois o teclado está configurado para o
Português.
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